Temperatura pode subir até seis graus em Minas nos próximos 70 anos
BELO HORIZONTE – Em cerca de 70 anos, a temperatura pode aumentar em até seis graus em Minas Gerais. Esse aquecimento afetaria cultivos importantes, como o de café, azeitonas e árvores frutíferas, com a redução significativa de áreas aptas para a plantação.
O alerta foi feito nesta quinta-feira (14/3/24) por Michelle Simões Reboita, pós-doutora em Meteorologia pela Universidade de São Paulo (USP) e professora do curso de Ciências Atmosféricas da Universidade Federal de Itajubá (Unifei).
Ela participou do lançamento do Seminário Técnico Crise Climática em Minas Gerais – Desafios na Convivência com a Seca e a Chuva Extrema no Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). À tarde, grupos de trabalho se reúnem para discutir a metodologia e o cronograma do seminário em agosto.
Com a iniciativa, o Parlamento mineiro pretende discutir a crise climática no Estado, bem como fomentar projetos de inovação para Minas e definir uma agenda de trabalho legislativo sobre o tema.
De acordo com Michelle Simões, o planeta está cada vez mais quente desde a Revolução Industrial. Em 2023, houve recorde de altas temperaturas em Minas e no Brasil. Se comparada com a série de 1850 a 1900, a temperatura subiu 2 graus. “A média não deve ultrapassar 1,5 grau, o que causa degelo de regiões polares”, explicou a pesquisadora.
Ainda segundo a professora, das 20 cidades mais quentes do País em 2023, 19 estão em Minas Gerais. No último dia 19 de novembro, Araçuaí (Jequitinhonha/Mucuri) registrou a maior temperatura do Brasil, de 44,8 graus.
Os primeiros meses de 2024 já registram temperaturas maiores que as do mesmo período de 2023. Dessa forma, segundo Michelle Simões, 2024 trará um novo recorde.
Ela destacou que a concentração de gases do efeito estufa intensificada pelas atividades humanas traz distúrbios no clima, como chuvas e secas extremas. Os impactos desses fenômenos não são distribuídos de forma homogênea, e quem sofre mais as consequências em questões como saúde, moradia e segurança é a população menos favorecida.
A pesquisadora defendeu, por fim, que a ciência seja utilizada para entender os fenômenos e fazer projeções para o futuro e que tecnologias sejam desenvolvidas para a redução da emissão de gases, de forma a amparar governantes na implementação de medidas de adaptação e mitigação dos impactos.
Presidente da ALMG pede união de esforços para lidar com problema
O presidente da ALMG, deputado Tadeu Martins Leite (MDB), também enfatizou que a crise climática tem afetado seriamente a saúde pública, a habitação e a segurança hídrica da população, assim como a capacidade de produção de alimentos, prejudicando, sobretudo, as populações mais vulneráveis.
“Diante de tão grande problema, todos precisam repensar suas responsabilidades. Precisamos buscar ações estruturantes e coletivas, tanto governamentais quanto comunitárias.”
Nesse sentido, Tadeu Martins Leite salientou que o seminário busca a união de esforços para lidar com a questão. O evento reúne mais de 60 instituições, como universidades, órgãos públicos e entidades, para iniciar a discussão que também chegará ao interior do Estado.
Ao final do trabalho, a ALMG irá receber um relatório contendo diretrizes e sugestões para nortear a elaboração de uma agenda para a atuação do Legislativo, possibilitando a revisão das normas vigentes e a elaboração de novas leis sobre o assunto.
Outro diferencial do trabalho, destacou o presidente, é a parceria com o Parque Tecnológico de Belo Horizonte, o BH-TEC, para identificar, selecionar e fomentar projetos de startups que apresentem soluções para prever, evitar ou minimizar as causas ou os efeitos das mudanças climáticas no território mineiro.
Os deputados Tito Torres (PSD), Doutor Jean Freire (PT) e Alencar da Silveira Jr. (PDT) e as deputadas Leninha (PT) e Beatriz Cerqueria (PT), de forma geral, ressaltaram o protagonismo que a ALMG assume ao promover o seminário técnico, no enfrentamento de um problema que já se faz presente no dia a dia dos mineiros. Eles reforçaram a necessidade de uma pauta legislativa propositiva, em defesa do meio ambiente.
A secretária de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Marília Carvalho, também ressaltou a importância da iniciativa da ALMG. “Quando a gente falava sobre a mudança do clima, parecia algo distante. Mas isso já faz parte de um problema presente. Precisamos trabalhar para desenvolver políticas públicas e bases legais que atuem na questão”, disse.
Ela salientou que, desde 2022, as mudanças climáticas fazem parte da agenda central do Governo de Minas.
Já o presidente do BH-TEC, Marco Aurélio Afonso, enfatizou o pioneirismo da parceria entre a ALMG e o parque tecnológico, na busca de soluções que empoderem a economia local para fazer frente à questão climática.
“Minas é o estado que tem sofrido mais com o aumento da temperatura. Contudo, é um lugar com grandes oportunidades nessa transição, com terras raras e incidência solar significativa.”
Prejuízo no agronegócio pode chegar a R$ 8 bilhões por ano
Vice-diretor do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, Bernardo Campolina ressaltou que as mudanças climáticas afetam a economia de modo geral. No agronegócio, o principal setor impactado, ele acredita que os prejuízos causados variam de R$ 3,5 bilhões a R$ 8 bilhões por ano no País.
Ele alertou, no entanto, que os efeitos não são homogêneos nas diversas regiões do Estado, de forma que soluções para o semiárido não serão adequadas para a Zona da Mata, por exemplo.
Assessora da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado (Faemg), Ana Paula Melo frisou que anomalias que se prolongam no tempo com intensidade maior geram fenômenos como inundações, secas, ondas de calor e geadas, afetando o ciclo das culturas e causando perdas de produtividade e o aumento do preço dos alimentos.
A safra de 2023/2024 deve representar uma redução de 24 milhões de toneladas de grãos, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
“Estamos vivendo uma insanidade. Sem água, ar e biodiversidade não somos nada”, resumiu o coordenador do projeto Manuelzão da UFMG, Marcus Vinícius Polignano. Ele destacou a necessidade de preservação de biomas e de revitalização dos rios como reserva no enfrentamento de um futuro que ainda desconhecemos.
Representando a Articulação do Semiárido Mineiro, Cléia de Fátima abordou a realidade nessa região, que padece com longos períodos de estiagem e chuvas irregulares, o que torna essencial prever investimentos para o armazenamento de água, como cisternas, para consumo da população e a irrigação de cultivos.