Dez anos de impunidade. As indenizações às vítimas não foram pagas. Duas mortes e 23 feridos
BELO HORIZONTE – Completou 10 anos nesta quarta-feira (3), a queda do viaduto Batalha dos Guararapes, localizado na avenida Pedro I, na região Norte de Belo Horizonte. O sentimento para quem viveu de perto a tragédia é impunidade, uma vez que, até hoje, nenhuma das pessoas julgadas pelo envolvimento na queda cumpriram se quer um dia de pena. Além disso, as indenizações às vítimas não foram pagas.
“A gente se sente muito pequeno, i é muito pouco caso que fazem com as vítimas. Primeiro constroem um viaduto onde não havia necessidade, aí acontece a tragédia que tira a vida de dois inocentes. Tiraram a vida da minha filha, que já tinha uma filha de 5 anos na época. Hoje ela está com 15 anos, tem o amor da avó, mas foi tirado dela o direito de ter o amor da mãe. Até hoje nada, nada é resolvido. Tudo o que eles fazem é recorrer e nada é resolvido. Parece uma novela sem fim”, disse Analina Soares, mãe da motorista Hanna Cristina, de 25 anos, conduzia um micro-ônibus atingido pelo viaduto e acabou morrendo.
A estrutura caiu no dia 3 de julho de 2014, durante a Copa do Mundo no Brasil. Duas pessoas morreram e 23 ficaram feridas. O caso ganhou repercussão em todo o mundo, já que a obra fazia parte do plano de melhoria de mobilidade para a Copa do Mundo.
A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) concluiu que a queda foi consequência do desprezo às normas mínimas de segurança, que o desabamento era previsível e se tornou iminente quando se constatou a dificuldade da retirada do escoramento da construção.
Em 2015, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) denunciou 11 réus. Entretanto, Dois morreram no decorrer do processo, dois foram absolvidos por falta de prova, um teve o julgamento desmembrado. Outros seis foram considerados culpados, mas nenhuma pena foi cumprida.
A decisão da juíza Myrna Fabiana Monteiro Souto, da 11ª Vara Criminal de Belo Horizonte, condenou diretores, coordenador-técnico e engenheiros responsáveis pelas construtoras Cowan S.A. e Consol Engenheiros Consultores Ltda.
Além deles, um supervisor, um diretor e o secretário de Obras e Infraestrutura da Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap) da época, órgão responsável pela gestão do setor no município, foram considerados culpados.
Dois profissionais que trabalhavam na Cowan morreram durante o curso do processo judicial, sendo extinta a punibilidade de ambos. Um dos réus teve o processo desmembrado por ser estrangeiro e morar em outro país. Um funcionário da Cowan e outro da Sudecap foram absolvidos por falta de provas da responsabilidade deles na queda da estrutura.
Segundo a denúncia do Ministério Público (MP), as causas do desabamento apontaram para vários fatores. “Erros e omissões grosseiras, descaso com o dinheiro público, irresponsabilidade de quem devia zelar pela segurança, aceitação de riscos, negligência na fiscalização, pressa e urgência desmedidas, já que a Copa do Mundo se aproximava”.
De acordo com o MP, “a urgência era perceptível e a Sudecap, que nada fiscalizava de fato, queria somente que as empresas se entendessem e tocassem o projeto”.
Condenações
Segundo o TJMG, a magistrada condenou cinco engenheiros por crime culposo, a cumprir penas que variam de dois anos e sete meses a três anos e um mês de prisão. Ela concedeu o direito de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, e cada um deve pagar o valor em dinheiro de 200 salários-mínimos aos dependentes das duas vítimas e outros 50 salários-mínimos para cada uma das famílias dos 23 feridos.
O engenheiro da Cowan foi condenado por crime doloso (dolo eventual) e não teve o direito à substituição. Ele foi condenado a quatro anos e oito meses de prisão porque era responsável por fiscalizar as obras do viaduto e foi avisado dos estalos antes da queda. “Ele deveria ter interrompido o trânsito, evitando assim que vidas fossem ceifadas e lesionadas”, disse a juíza.
A juíza ainda proibiu que os seis condenados exerçam a profissão por tempo igual ao período de condenação. O secretário de obras teve suspenso o direito de exercer cargo público. Todas os casos estão em fase de recursos.
Há ainda uma ação na área Cível, no valor de R$ 33 milhões contra as duas construtoras Cowan S.A. e Consol Engenheiros Consultores Ltda. e herdeiros dos falecidos.
O que dizem os envolvidos:
Prefeitura de Belo Horizonte
“A Prefeitura de Belo Horizonte informa que as ações, de danos morais e materiais, ainda estão tramitando na Justiça. Há um inquérito em andamento no Ministério Público sobre a possibilidade de ressarcimento de valores. Com relação aos funcionários da PBH, a ação penal movida pelo Ministério Público ainda não transitou em julgado e o Executivo não recebeu qualquer determinação judicial em relação aos referidos empregados públicos.”
Consol Ltda
“A CONSOL já prestou todos esclarecimentos à Justiça e à Prefeitura Municipal sobre o projeto do Viaduto Batalha do Guararapes. A empresa não participou do controle de qualidade de execução do viaduto e, por ser projetista, por evidente também não participou da sua construção.
Vale ressaltar que a CONSOL participou da Supervisão e do Controle de Qualidade no início da execução das obras de duplicação da Avenida Dom Pedro I. Durante o período em que participou, não ocorreu nenhum problema técnico nas obras dos viadutos, passarelas e trincheiras executadas. O contrato encerrou antes mesmo do início da edificação do viaduto Batalha dos Guararapes.”
Cowan S/A
“A Construtora Cowan S/A registra que nunca foi condenada em definitivo em nenhum dos processos que tramitam sobre o assunto da trágica queda do Viaduto Batalha dos Guararapes. E mais, a Construtora Cowan não tem medido e não medirá esforços para comprovar sua inocência neste evento, que ocorreu em razão exclusivamente de uma falha do projeto executivo elaborado pela CONSOL, contratado pela Prefeitura de Belo Horizonte, conforme já constatado em inúmeros laudos periciais e técnicos, incluindo o laudo técnico do instituto de Criminalística de Minas Gerais.”
Mauro Lúcio Ribeiro, servidor da Sudecap
“A defesa de Mauro Lúcio Ribeiro da Silva informa que restou suficientemente demonstrado, no curso da instrução processual, que as funções por ele exercidas durante a construção do Viaduto Batalha dos Guararapes se restringiam à fiscalização do contrato, de natureza estritamente administrativa, as quais não se confundiam com a fiscalização da obra. Por esta razão, não era possível que ele pudesse prever o resultado e, desta forma, agir para evitá-lo, pelo que aguarda, serenamente, que a sentença de 1º Grau seja revista e sua inocência reconhecida por ocasião do julgamento do recurso de apelação pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.”
Com a colaboração do Jornal HojeEmDia