ECA faz 32 anos em meio a retrocessos sociais | Empobrecimento das famílias fere direitos de crianças e adolescentes
REDAÇÃO – Audiência pública realizada último dia 13/7/22 celebrou os 32 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), reconhecendo avanços, mas também trazendo alertas quanto ao crescente empobrecimento das famílias brasileiras com a pandemia de Covid-19, que tem afetado mais as crianças, vulnerabilizadas pela insegurança alimentar.
Além disso, cumprir o ECA em sua plenitude pressupõe considerar que são várias as realidades de meninas e meninos. “O ECA trouxe o paradigma da universalização, mas precisa conversar com a diversidade”, advertiu nesse sentido a coordenadora regional do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Helena Silva.
Ela foi uma das convidadas para a audiência, realizada pela Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a pedido dos deputados Professor Cleiton (PV) e Doutor Jean Freite (PT) e da deputada Ana Paula Siqueira (Rede).
Para Helena Silva, gestores das políticas públicas, parlamentares e sociedade civil precisam avançar e “ficar de frente” para a realidade dos meninos e meninas quilombolas, de comunidades tradicionais, ameríndios e periféricos. “Mais que reconhecer a realidade deles, é preciso encarar a diversidade”, defendeu.
Helena Silva ainda frisou que a violência que atinge as crianças e adolescentes impacta toda a comunidade. Esses meninos e meninas, segundo ela, são também afetados pela insegurança urbana, rural e ambiental, pelo racismo e pela desigualdade, desafios que também precisam ser enfrentados.
Unicef aponta estratégias para avanços
A representante do Unicef listou cinco estratégias para superar as barreiras culturais e promover mudança de mentalidade e comportamento na sociedade, de forma a avançar no cumprimento do ECA.
- Aprender a exercer e implementar políticas intersetoriais. Helena Silva ressaltou que as crianças e adolescentes são atendidos por equipamentos distintos, dependendo da questão.
Se sofre violência doméstica, é encaminhada ao conselho tutelar; estudantes são direcionados às secretarias de educação; pacientes, aos postos de saúde; e os vulneráveis, aos centros de referência em assistência social (Cras e Creas). “A criança ainda é tratada na caixinha. Temos que pensar que ela é uma só”, alertou.
- Pensar plural e no plural. A coordenadora explicou que é preciso distinguir plural de universal. A última deve ser a meta, para garantir que a política pública chegue a todos, mas a estratégia precisa considerar a diversidade desse público e ser direcionada de forma diferente para cada um.
- Atacar a cultura do machismo, racismo e homofobia. A violência praticada sob a égide desses comportamentos, segundo a especialista, também vem impactando a vida de meninos e meninas.
- Ouvir os adolescentes e as crianças. A representante do Unicef defendeu que as políticas públicas têm que ser construídas junto com eles, para ter um resultado mais eficiente. “Nada sem eles: esta é uma reza, um mantra que o Unicef traz consigo em todas as suas ações”, afirmou.
- Ir aonde ninguém está indo. A coordenadora explicou que as políticas precisam alcançar os territórios onde há ausência do poder público.
Retrocessos comprometem direitos
Além do empobrecimento crescente da população, o desmonte do controle social e da participação popular nos conselhos voltados para as diversas políticas públicas também têm prejudicado a plena efetivação do ECA nos dias atuais, conforme ressaltaram convidados como Sandra Barbosa, da Frente de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, e Moisés Ferreira Costa, do Fórum de Enfrentamento à Violência contra Crianças e Adolescentes.
Para Moisés, esse desmonte mostra que o País vive uma época de cassação de direitos e de retrocesso.
Ele frisou que o ECA tem sido por vezes atacado antes de ser totalmente implementado e defendeu que o enfrentamento às violências contra as crianças precisa atacar a cultura do machismo, do estupro e da desigualdade.
Diretora de Políticas para Crianças e Adolescentes da Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania de Belo Horizonte, Nívia Soares da Silva disse que o aumento das violências e de crianças e adolescentes em situação de rua nos dias atuais é preocupante.
A constatação, segundo ela, levou a pasta a criar um plantão de conselhos tutelares 24 horas, com atendimento centralizado. Mais nove conselheiros municipais foram contratados, além da permanência do plantão dos conselheiros regionais.
A violência também foi abordada por Maurício Damas, membro do Comitê de Participação de Adolescentes do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente. Ele alertou que o dia de aniversário do ECA é também um dia de luta incessante. “Não tem um dia em que fico sem ver colegas lutando contra o racismo, a homofobia e o machismo”, disse.
FOME E EVASÃO
A vereadora de Belo Horizonte Macaé Evaristo advertiu que crianças e adolescentes passam hoje por situações que ferem o ECA, como a fome, que dobrou em famílias com crianças no cenário atual de empobrecimento da população. Esse cenário, segundo ela, demanda ações permanentes, como o fortalecimento do programa nacional da alimentação escolar e a volta de recursos para a agricultura familiar.
Outro grave problema, conforme Macaé Evaristo, está na revelação do Censo Escolar de 2021, mostrando que mais de 650 mil crianças não voltaram para a escola após o período mais duro da pandemia.
COMPROMISSO
O deputado Professor Cleiton avaliou que o ECA trouxe avanços relevantes, como ampliação do acesso à escola pública, articulação dos conselhos tutelares, surgimento das varas especializadas da infância e juventude, reordenamento de abrigos e combate ao trabalho infantil.
Frisou, contudo, que parte significativa da norma ainda não foi implementada e destacou que essa discussão vai resultar numa carta-compromisso endereçada aos pré-candidatos à eleição para governador, com propostas necessárias para se avançar no cumprimento integral do ECA.
ALERTA PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Na parte da tarde, a discussão teve continuidade, com a participação de crianças e aolescentes na plateia. Houve contação de histórias e explicações didáticas para conscientizar meninos e meninas sobre exploração do trabalho infantil e abuso sexual. Eles foram orientados a conversarem com seus pais e professores sempre que se depararem com situações desse tipo.