Catadores do ‘Bolsa Reciclagem’ usam valor para a realização de sonhos
REDAÇÃO – A triadora Raquel Severino dos Santos, 36, encarregada pela coleta seletiva de materiais de pet e plástico, está construindo uma casa. “Lá é um espaço muito grande, minha filha vai finalmente poder ter os cachorrinhos que tanto quer”, promete à pequena Larissa, de 7 anos. A realização deste e de outros sonhos só é possível devido ao dinheiro recebido por meio do Programa Bolsa Reciclagem, incentivo a catadores de materiais recicláveis organizados em associações ou cooperativas, feito pelo Governo do estado, por meio da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad).
“O salário me ajuda a pagar o aluguel do apartamento, já o Bolsa Reciclagem está me ajudando a pagar a casa que estou comprando, para quitar em cinco anos. Também já conseguimos comprar um carro”, diz Raquel, orgulhosa do seu trabalho. É nos quatro filhos que ela pensa quando planeja a moradia e, indiretamente, também constrói um futuro melhor para eles, já que a reciclagem auxilia na preservação do meio ambiente. O montante recebido por cada catador varia de acordo com cada cooperativa. O dinheiro é dividido entre os triadores de cada instituição, que fica responsável pela distribuição.
Raquel trabalha há três anos na Cooperativa Solidária de Trabalhadores e Grupos Produtivos da Região Leste (Coopesol Leste), uma das 70 entidades mineiras que começaram a receber o repasse de R$ 1.134.095,83 para 1.294 catadores na semana passada, valor referente ao 2º trimestre de 2022 do Bolsa Reciclagem (o incentivo é pago a cada três meses). A Coopesol Leste conta com 34 funcionários que utilizam a renda extra do programa para tocar projetos pessoais, como a casa de Raquel, ou complementar os pagamentos de contas.
Criada em 2003 e atualmente funcionando no bairro Granja de Freitas, na região Leste de Belo Horizonte, a Coopesol processa quase 90 toneladas de material reciclável por mês. É a partir da quantidade de material reciclado que é feito o cálculo do valor a receber por cada entidade. Por isso, eles recebem com satisfação o auxílio de equipamentos como a prensa e da esteira, inaugurada em 2021, mas também esperam contar com a ajuda da população, ao não misturar materiais orgânicos e lixo hospitalar e fraldas descartáveis ao lixo reciclável, o que prejudica a produtividade e o valor destinado a cada cooperado.
Para Mario Rodrigues, 71, o valor do Bolsa Reciclagem é fundamental. No último rateio, ele recebeu cerca de R$ 1.450. “Chego em casa, dou o dinheiro pra minha mulher, que é dona de casa aposentada, pra ela pagar água, luz, condomínio, remédio e comprar alguma coisinha, como carne, óleo, café e açúcar”, explica um dos triadores de vidro da Coopesol Leste, onde trabalha há oito anos. Ex-carroceiro e casado há quase 52 anos, seu Mario comenta com alívio que nenhum dos quatro filhos do casal dependia deles há cerca de quatro anos: à época, o pagamento do auxílio, equivalente a 30% do salário mês a mês, foi interrompido.
Com o congelamento dos pagamentos, houve uma desmobilização. Nenhum novo cadastro de entidade foi feito ao longo do ano de 2019. O engajamento voltou com o repasse retomado no final daquele ano, e em três anos foram aprovados os cadastros de 29 novas associações cooperativas. De lá para cá, já foram destinados R$ 15.484.760,29 às associações e cooperativas de catadores de Minas Gerais, inclusive com a regularização de passivos atrasados que remontavam até 2017. O programa hoje conta com 169 entidades registradas, das quais cerca de 70 participam ativamente e recebem o incentivo (há variação do número a cada trimestre).
13º salário
Recém chegada à Coopesol, a triadora Thalia Portugal, 21, pretende utilizar o dinheiro do Bolsa Reciclagem na ampliação da casa, onde mora com o filho de 3 anos. “Estou gostando bastante do trabalho, além do pessoal que é uma família que eu ganhei, estou aprendendo muito sobre reciclagem, inclusive com os cursos oferecidos de graça”, celebra a mãe de Lázaro Felipe. “Agora vai dar para, aos poucos, construir no terreno em que a gente mora, aumentar principalmente sala e cozinha, e pretendo também usar um pouco para tirar carteira de motorista”, aponta.
Uma das fundadoras da Coopesol Leste em 2003 e atual presidente da cooperativa, Vilma da Silva Estevam vê o Bolsa Reciclagem como uma espécie de 13º salário para os colegas. “É importante não apenas para a nossa cooperativa, vemos nossos companheiros ansiosos pelo recebimento durante as reuniões”, conta.
Ela frisa que o programa ganhou um papel ainda mais essencial durante a pandemia. “Foi o que trouxe um suporte financeiro não apenas para a nossa, mas para as demais cooperativas. Muitos de nós dependemos demais da Bolsa, torço para esse programa se fortalecer cada vez mais, para que esse recurso possa aumentar e que mais catadores estejam aptos a fazer parte desse processo”.