sexta-feira, novembro 22, 2024
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Em Igarapé (MG), canto da lamentação dos escravos faz reabrir as portas da Matriz de Santo Antônio para congadeiros

Dentro da Matriz de Santo Antônio, os congadeiros não acreditavam que depois de muitos anos estariam novamente no interior do maior templo católico de Igarapé.

IGARAPÉ – Tradicionais na cidade de Igarapé (MG), região Metropolitana de Belo Horizonte (MG), os diversos grupos de congados, uns com mais de 30 anos, outros mais novos, eram terminantemente proibidos de ingressarem no interior da Igreja Matriz de Santo Antônio e muito menos pisarem na Praça Central da cidade até o último dia 11 de junho. “Os padres daqui achavam que todo preto e congadeiro eram macumbeiros”, afirmam os congadeiros.

Nos últimos dias 11 e 12 de junho, durante a terceira Festa do Rosário realizada pela Guarda de Congo Nossa Senhora do Rosário e Santo Antônio de Igarapé | Capitã Regente: Dona Carmem e Capitão Regente Vladimir |, no bairro Novo Igarapé, um fato inédito aconteceu.

Elizabeth Pinheiro é presidente e rainha do Congado São Sebastião de Timóteo.
Momento em que as portas da Matriz se abriram
Dona Carmem, Capitã Regente da Guarda de Congo Nossa Senhora do Rosário e Santo Antônio de Igarapé

Após o Capitão Kedison Guimarães, da Guarda de Moçambique Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia de Ouro Preto (MG), ajoelhar-se na porta da Igreja Matriz, e cantar o “canto da lamentação dos escravos”, surpreendentemente as portas da Matriz se abriram, as luzes foram acesas e os congadeiros voltaram a frequentar o interior do templo religioso durante os festejos.

Ao JBN, o Padre Gilberto, pároco da Igreja Matriz de Santo Antônio, disse não ter muito conhecimento sobre o assunto | proibição | mas, que o “nosso dever como cristãos é o de acolher e respeitar as várias manifestações culturais”.

Segundo Padre Gilberto, naquele momento | abertura das portas | o que aconteceu foi que um grupo de congado compareceu diante de nossa igreja matriz e as portas foram abertas para eles entrarem. “Ficamos felizes em poder acolher esse grupo”, pontuou.

EMOÇÃO

Dona Carmem, Capitã Regente da Guarda de Congo Nossa Senhora do Rosário e Santo Antônio de Igarapé, avaliou aquele momento como um marco na história dos congadeiros de Igarapé. Em meio a prantos de choro e muita oração, os congadeiros caminharam dentro do templo religioso  como quem não acreditavam no acontecido.

“Estou realizada. Para quem não tinha permissão para pisar na praça em pleno século XXI, poder entrar na Igreja com as nossas cantorias e caixas, é tudo que precisávamos para fortalecer ainda mais a nossa fé em nossa senhora do Rosário e Santo Antônio”, desabafou a congadeira.

Já o congadeiro Moçambicano José Maria Souza Mota, o Marambaia, da Guarda de Congado da Irmandade de Moçambique de Nossa Senhora do Rosário e São João Batista,  garantiu que em 30 anos o seu grupo entrou na Igreja uma vez. Segundo ele, os padres acham que todo preto e congadeiro são macumbeiros. No início do século, época da escravidão, negro não tinha direito. “Os padres não aceitam o Moçambique. Briguei muito com padres e prefeitos. Dona Carmem foi uma vencedora. As portas da igreja abriram para o grupo dela e esperamos que sejam mantidas abertas para todos os grupos”, conclamou.

CONGADO SÃO SEBASTIÃO DE TIMÓTEO EM IGARAPÉ

A presidente e rainha do Congado São Sebastião de Timóteo, Elizabeth Pinheiro, juntamente com vários outros integrantes da entidade timotense, também participaram deste momento histórico em Igarapé.

Beth Pinheiro contou ao JBN que não acreditava no que via. Ver o congadeiro de Ouro Preto cantar o “canto da lamentação dos escravos” na porta da Igreja, e ver ali quebrar uma barreira que até então era intransponível, foi de arrancar suspiro e muitas lágrimas.

“A cada dia que passa estou cada vez mais convicta de que estamos no caminho certo. Estou muito feliz em participar da cultura mineira e brasileira. Estou apaixonada por tudo que vejo e participo pela nossa Minas Gerais”, garantiu a presidente Elizabeth.

Conforme explicou a rainha e presidente do Congado São Sebastião, a festa de Nossa Senhora do Rosário é uma festa de resistência. Segundo ela, querendo ou não, ainda existem preconceitos contra os negros e congadeiros, que são tolhidos de todos os direitos sociais e religiosos. “Assim, a festa que tem influência católica e africana é uma resposta a essa discriminação que perdura há séculos”, lamentou.

HISTÓRIA DOS CONGADOS DE IGARAPÉ

A história do congado de Igarapé foi obtida através de entrevistas na Guarda de Moçambique Nossa Senhora do Rosário e São João Batista com o seu Capitão Regente José Maria Souza Mota, o Marambaia, como é conhecido na região, e com a rainha de Nossa Senhora do Rosário, Luziana de Souza Moreira.

Na Guarda de Moçambique Rosário de Maria foram entrevistados o seu presidente Monklin Delano Martins Roosevelt e sua esposa, coordenadora da guarda, Eneider Aparecida da Silva, que são também o rei e a rainha Congo do Vale do Paraopeba. O senhor Carlos Oliveira Stan, forneceu na ocasião informações sobre outras manifestações no município.

Também foi realizado  um levantamento fotográfico das coroas. A história oral como metodologia do trabalho antropológico exerceu suma importância na elaboração do presente documento devido à escassez de fontes históricas escritas a respeito da trajetória do congado e dos bens culturais na comunidade onde estão inseridos.


Fonte: Biblioteca Pública Municipal Neuza Henriques da Silva Diniz – Igarapé (MG). Bibliotecário Oswaldo Bastos Fonseca – Prefeitura de Igarapé (MG).


 

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