Especialistas advertem sobre perigo da Covid-19 em escolas. Risco para estudantes e familiares
Redação – Dados demográficos de Minas Gerais e a experiência de outros estados e países foram a base de pronunciamentos de especialistas e profissionais da educação contrários à retomada das aulas presenciais no território mineiro, durante audiência pública realizada nesta quarta-feira (7/10/20) pela Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Essa foi a segunda audiência pública para debater o retorno das aulas presenciais em Minas, interrompidas em março por causa da pandemia de Covid-19. Durante a primeira delas, realizada no dia 2 de outubro, foram ouvidos os argumentos de quem defende a retomada.
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O Governo do Estado planeja retomar as aulas presenciais nas escolas públicas estaduais a partir de 19 de outubro e, inicialmente, apenas para os alunos do último ano do ensino médio. No entanto, na terça-feira (6/10/20), o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) concedeu liminar que suspende esse retorno às aulas, acatando mandado de segurança do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG).
Ao final da audiência pública, a presidenta da Comissão de Educação, deputada Beatriz Cerqueira (PT), cobrou respeito do Executivo à decisão da Justiça estadual que suspendeu a retomada do ensino presencial e repetiu o principal argumento da própria decisão liminar: “A única medida eficaz para mitigação da epidemia ainda é o isolamento social”, afirmou. “Sou contra o retorno presencial não por uma opinião pessoal, mas porque a ciência diz que não é seguro e porque conheço a realidade das escolas”, complementou.
Um dos pesquisadores ouvidos durante o debate desta quarta foi Diego Xavier, do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica da Fiocruz. “Esse passo da volta às aulas é o mais perigoso para o retorno da doença”, advertiu ele. Xavier afirmou que a cidade de Manaus, capital do Amazonas, é um exemplo de aumento do número de casos de Covid-19 após o retorno ao ensino presencial.
Além do exemplo de Manaus, outros exemplos de surtos da doença após a retomada das atividades foram citados, tais como o ocorrido em Israel, este lembrado pelo representante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara. Ele atribuiu a pressão pela retomada escolar aos interesses econômicos. Também argumentou que, mesmo do ponto de vista econômico, essa medida pode ser contraproducente, quando se consideram os custos do impacto sobre o sistema de saúde.
Aulas presenciais ameaçariam 400 mil pessoas do grupo de risco
Citando dados demográficos de 2013, Diego Xavier afirmou que Minas Gerais apresentava 403.396 pessoas com diabetes, doenças cardíacas ou de pulmão, e que conviviam em casa com alguma criança ou adolescente em idade escolar. Já Daniel Cara afirmou que 55 milhões de pessoas frequentam as escolas em todo o Brasil, colocando em risco um contingente ainda maior, de 130 milhões de pessoas.
“As pessoas estão confundindo flexibilização com normalização”, criticou Diego Xavier, afirmando que qualquer retorno às aulas presenciais deve ser precedido de uma intensa testagem e rastreio de casos, além de uma preparação do sistema de urgência e emergência médica, entre outros pontos. Ele criticou o desempenho dos governos, nesse sentido. “Não é razoável que o Brasil represente 15% dos óbitos (de Covid-19) no mundo”, lamentou.
Membro do Comitê de Combate ao Coronavírus da Prefeitura de Belo Horizonte, o infectologista Carlos Starling apresentou um estudo sobre a taxa de transmissão de Covid-19 nos municípios mineiros após seis meses de pandemia. Sua conclusão foi que apenas um quarto dos municípios de Minas apresentariam taxas que podem permitir uma flexibilização das aulas presenciais.
Carlos Starling também ressaltou que o perigo não está ausente mesmo para os estudantes. Nos Estados Unidos, segundo ele, 7,6% dos casos de Covid-19 atingiram crianças, gerando 58 mil internações e 2 mil mortes infantis. “Isso não é desprezível”, afirmou, lembrando que naquele país houve uma pressão do próprio governo federal para a retomada das aulas presenciais.
Alerta parecido foi feito por Diego Rossi, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Ele usou dados do próprio Governo do Estado, que indicou uma estimativa de que 5% dos estudantes contaminados poderiam evoluir para casos graves.
Ele estimou que, se apenas 10% dos estudantes fossem contaminados, em “um cenário otimista”, isso resultaria em mais de 70 mil estudantes infectados, o que poderia resultar em 210 mortes, mesmo considerando o baixo índice de gravidade da Covid-19 entre crianças e adolescentes. Ele cobrou que o governo trate isso como vidas, e não como simples números.
Bernardo Jefferson Oliveira, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), destacou a relevância das escolas e os problemas causados pelo fechamento, sobretudo nos níveis sociais mais vulnerabilizados, mas enfatizou que a reabertura não pode ser feita de forma “apressada”.
Pesquisa indica oposição da comunidade escolar à reabertura
A vontade da comunidade escolar foi outro argumento utilizado pelos participantes da audiência pública para se opor à retomada das aulas presenciais. O Fórum Estadual Permanente de Educação de Minas Gerais (Fepemg) apresentou uma pesquisa realizada em 767 municípios, ouvindo 32.169 pessoas, entre professores (48%), estudantes (23%), familiares (18%), outros funcionários (8%) e gestores (3%). Entre eles, 90,3% se posicionaram de forma contrária à retomada, neste momento.
Outro dado da pesquisa é que 50,28% dos que foram ouvidos acreditam que o retorno às aulas presenciais só deve ocorrer após a disponibilização de uma vacina contra o novo coronavírus. A representante do Fórum, Ana Maria Saraiva, acrescentou que, neste momento, o Estado não pode jogar a responsabilidade de uma decisão tão complexa para os pais.
A mesma oposição ao retorno das aulas veio de estudantes e familiares que participaram da audiência pública. “As aulas não podem voltar, porque nós, estudantes, estamos muito inseguros”, afirmou a estudante Dayane Ketelen Araújo, da Escola Estadual Geraldina Ana Gomes, em Belo Horizonte.
Dayane disse que mora com sua avó, que é asmática e tem pressão alta, o que aumenta seu temor em relação ao contágio. “A gente sabe que muitos alunos não estão respeitando o isolamento, e as salas são pequenas”, afirmou ela.
Jacqueline Rodrigues da Cruz, mãe de alunos das escolas públicas Governador Milton Campos e Pedro II, em Belo Horizonte, disse temer pelas condições da escola para receber os alunos e alunas, assim como pelas condições do transporte coletivo que é usado pelos filhos. Lembrou que o marido é do grupo de risco, e tem filhos com problemas respiratórios. Lamentou que a escola passe a ser “o espaço de contradição da ciência”.
A coordenadora-geral do Sind-UTE/MG, Denise Romano, afirmou que os protocolos e regras elaborados pelo Governo do Estado, a fim de orientar a retomada das aulas presenciais, não refletem a realidade das escolas. “Das 3.601 escolas, 1.114 têm banheiros compartilhados por professores e alunos, e 940 não têm refeitório”, afirmou. Ela também alertou que os números de casos de Covid já sugerem um novo crescimento da infecção em Minas.
A representante da Central dos Trabalhadores do Brasil, Telma Santos, destacou as precárias condições e o excesso de trabalho dos professores durante a pandemia. Isso, segundo ela, contrasta com o discurso propagado por muitos de que esses profissionais estariam resistindo a cumprir seu papel educacional, ao se opor às aulas presenciais.